Que dois bicudos não se beijam, todo o mundo sabe. Também não se falam, não se escutam, nem se encontram, afinal os enormes bicos não permitem.
Esses seres estranhos falam uma língua ainda mais estranha: o que é música para os seguidores de um bicudo, é coisa absurda e ridicularizada para os seguidores do outro bicudo.
Nesse cenário, instala-se uma miopia progressiva que óculos nenhum corrige e a imaginação não mais existe. Nada se enxerga além de seu bico.
Esse é o Brasil de hoje, que enfrenta uma doença gravíssima, ainda não entendida pela ciência, onde quem não sabe, e se pretende entendido, dá opiniões sem saber, inclusive médicos, porque, afinal, ninguém sabe e somos governados por bicudos que, como bicudos, não se falam, não escutam um ao outro.
Temos uma vantagem. A Covid-19 chegou por último aqui. A experiência adquirida pelos países onde essa doença chegou primeiro, com seus erros e acertos, pode nos orientar por um caminho melhor.
O momento pede menos “eu” e mais “nós”, desde que “nós”, sejamos todos os brasileiros unidos.
O momento pede que os bicudos que nos governam engulam seus enormes bicos, abafem seus egos gigantescos. Para que isso aconteça, os seus seguidores, quando forem às ruas para protestar, que seja por união, sem partidarismo, que deixem suas convicções para depois dessa catástrofe que abate sobre nós. Que conversem os políticos, os infectologistas, os epidemiologistas e, para isso, é preciso que os seguidores de todos os lados também engulam seus enormes bicos.
Se continuarmos bicudos, daqui a uns 10 anos, olhando de muito longe, sem miopia, poderemos enxergar o quão ridículos e pequenos fomos, porque o que faz tempos serem bicudos somos nós mesmos.
*José Mário é médico e santa-cruzense, radicado em Campinas